Raízes Negras da Resistência:

As memórias que não se apagam no Rio

Partida. Chegada. Entra no barco e desce na terra onde tem palmeiras onde cantam os sabiás. O apagamento da história dos pretos escravizados e da diáspora africana chega a ser simples pela forma que é contada. Mas não há simplicidade nem leveza no trajeto dessas pessoas desde seu sequestro, e não partida, em seus países; da viagem em navios insalubres passando por todos os tipos de violência, tanto física, sexual e psicológica; sua chegada em um país estrangeiro onde tinham seus nomes, histórias e personalidades apagadas ao serem de maneira inferior a que muitas mercadorias; e por fim, a morte, que embora trágica, aparecia como um alívio de toda essa tortura, mesmo que não viesse acompanhada de sepultamentos e na maioria das vezes, dignidade. Este cenário trágico é ainda mais acentuado diante do abandono cultural que afeta a região da Gamboa, no Centro do Rio de Janeiro, um histórico centro de cultura afro-brasileira que luta contra a deterioração e a falta de preservação.

Existem diversas formas de contar uma mesma narrativa, principalmente àquelas que foram deixadas de lado por muito tempo. O professor de jiu-jitsu, Anderson Carvalho, acredita que o que aconteceu com a história do povo preto não foi exatamente um apagamento, mas sim um movimento para escondê-la voluntariamente ou involuntariamente. “Porque, na verdade, ao meu ver, uma história não é apagada. Ela só está escondida. Então, a partir do momento que você descobre um fato novo, cabe a essa pessoa a responsabilidade de escolher como vai contar. Você quer contar uma história para valorizar quem lutou para ser resistente a toda aquela escravidão, a todo aquele problema ou trazer uma história mais triste ainda”, explica ele.

DESCOBERTA

Assumindo essa responsabilidade, Merced Guimarães dos Anjos, ao descobrir que em baixo de sua casa havia o cemitério dos pretos novos, decidiu não poderia deixar que essa história fosse negligenciada novamente. Ela deu origem ao Instituto Pretos Novos (IPN), localizado no bairro da Gamboa. A iniciativa é um marco crucial na história do Rio de Janeiro e do Brasil. 

Dedicado à memória dos africanos escravizados e suas inestimáveis contribuições para a cultura e sociedade brasileiras, o IPN é mais do que um museu; representa um espaço de reflexão e resistência cultural. Sua fundação remonta a 1996, quando vestígios de um cemitério clandestino de africanos escravizados foram descobertos durante obras de reforma. Este cemitério, agora um ambiente arqueológico preservado, contém os restos mortais de milhares de africanos que não sobreviveram ao brutal tráfico transatlântico. Este local simboliza a brutalidade da escravidão e a resistência cultural e espiritual das comunidades africanas no Brasil.

A preservação do IPN reconhece e honra a rica herança cultural dos afrodescendentes no Brasil. O espaço serve como um ponto de encontro para práticas religiosas e culturais, mantendo viva a conexão espiritual profunda com os ancestrais africanos. As tradições culturais africanas continuam a florescer em locais como o IPN, evidenciando a vitalidade e a resistência de uma herança que moldou a identidade brasileira.

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CIRCUITO DA HERANÇA AFRICANA COMO AÇÃO CONTRA O ESQUECIMENTO

O Instituto Pretos Novos também integra o Circuito Herança Africana, um percurso que permite revisitar a rica herança cultural africana na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Este circuito promove maior acesso ao conhecimento sobre a história social e cultural de africanos, indígenas e seus descendentes no Brasil, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

O circuito é gratuito e conta com um guia entregando detalhes escondidos nas construções antigas que à primeira vista não chamariam tanta atenção. Ao todo, o circuito passa por 12 pontos, começando no Largo da Prainha, logo em frente à estátua de Merced Batista, passando pela Pedra do Sal, Morro da Conceição, o Jardim Suspenso do Valongo, a Praça dos Estivadores, as Docas de D. Pedro II, o Cais do Valongo, o Quartel da Guarda, a praça que protagonizou a revolta da vacina e é finalizado no cemitério dos pretos novos.

A ideia é que seja um programa para todas as idades e que propague a educação e informação. O marinheiro de convés, Delmo Camargo Rosário e a fisioterapeuta, Fernanda Centeno Rosário, levaram seus dois filhos no circuito para que os quatro pudessem entrar em contato com a história real de seus antepassados. “O passeio é muito importante, porque conta a nossa história. A gente percebe que nas aulas da escola, eles (filhos) não têm acesso à história contada da forma correta, assim como a gente não teve”, afirma Fernanda. 

“Para nós, é importante mostrar de forma mais clara a realidade. A gente mora no Rio, mas às vezes a gente não conhece toda a nossa história, então fazer o percurso e conhecer personalidades como Conceição Evaristo é muito bacana”, comenta Delmo.

Mas ele e sua mulher explicam que ainda existem medidas a serem tomadas. Ele pontua a falta de indenização para os pretos escravizados desde a época em que foram libertos e que, como as consequências do preconceito refletem claramente na sociedade hoje, são necessárias mudanças. “A reparação, para mim além de histórica, tem que ser imediata”, finaliza.

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ABANDONO DOS PONTOS CULTURAIS 

Apesar de todos esforços, projetos como o  IPN não estão isentos dos desafios que afetam muitos pontos culturais no centro do Rio de Janeiro. A região da Gamboa, historicamente um centro vibrante de cultura afro-brasileira, sofreu com o abandono devido a transformações urbanísticas, desigualdade social e a falta de políticas eficazes de preservação cultural. O impacto da escravidão e do racismo estrutural também contribuíram para a marginalização e deterioração dos locais históricos afro-brasileiros.

Para revitalizar a Gamboa e outros pontos culturais no centro do Rio de Janeiro, é necessário adotar um investimento na restauração de edifícios históricos, visando transformá-los em centros culturais ativos. Além disso, é fundamental promover o empreendedorismo cultural e o turismo sustentável, envolvendo as comunidades locais. A implementação de programas educacionais que divulguem a história afro-brasileira e incentivem o respeito à diversidade cultural, o desenvolvimento de políticas urbanas que protejam e promovam os valores culturais e históricos da Gamboa e de outras áreas centrais do Rio de Janeiro também são pontos essenciais nesse processo.  

O jornalista e produtor cultural, Rodolfo Abreu, comentou sobre como o abandono cultural no Centro do Rio, especialmente na Gamboa, afeta a preservação da história afro-brasileira. Segundo ele, o centro da cidade enfrentou um sério descaso na última década, agravado ainda pela pandemia de COVID-19. “A história afro-brasileira começou a ser seriamente estudada muito recentemente. O Cais do Valongo, maior porto de entrada de pessoas escravizadas da América do Sul, foi somente descoberto em 2011 durante a reforma da Zona Portuária do Rio.” Nesse sentido, Rodolfo considera ser crucial investir na preservação e divulgação desses sítios arqueológicos e museus que contam essa história.

Mesmo tendo sido desvalorizada e quase apagada durante séculos, a história da cultura afro-brasileira e as áreas históricas como a Gamboa podem lançar mão do empreendedorismo cultural e do turismo como impulsionadores de sua revitalização. 

“O empreendedorismo traz a oportunidade de os moradores da região desenvolverem negócios com a venda de produtos ou o oferecimento de serviços, melhorando a renda e o comércio da região. Aliado ao turismo, que trará visitação aos locais, movimentando a economia e trazendo o conhecimento da história e da cultura de nossa cidade. O turismo pode incrementar as visitas guiadas aos locais históricos da região, com ida a museus, sítios arqueológicos, aliando o trajeto também com o comércio local e restaurantes”, afirma o jornalista.

A conexão entre identidade cultural e religiosa do povo negro no Brasil foi fortemente influenciada pela cultura afro-brasileira. Isso se manifesta em várias áreas como vocabulário, dança, ritmos, hábitos, rituais e gastronomia.

Quando perguntado sobre as transformações urbanísticas e a desigualdade social na Gamboa, Rodolfo opinou que muitas dessas mudanças acabaram por apagar traços históricos da cultura afro-brasileira, citando exemplos como o aterro do Cais do Valongo e o Museu do Cemitério dos Pretos Novos. Ele enfatizou a necessidade de investir na preservação e restauração de edifícios históricos, além de políticas públicas que promovam segurança e cultura na região.

A construção histórica de preservação do patrimônio cultural reflete também sobre as políticas públicas que poderiam ser implementadas para proteger e promover os valores culturais e históricos da Gamboa, como o tombamento de edificações e locais históricos, reconhecendo o verdadeiro valor histórico, artístico, cultural e arquitetônico, apoio a eventos culturais que proporcionam o conhecimento e a história do local.

O apagamento da história dos pretos escravizados representa uma perda para a conjectura da cultura brasileira atual. Durante décadas, esse apagamento gerou um desconhecimento de nossas origens, abrindo espaço para atitudes racistas

Essa negligência histórica favorece não apenas o empobrecimento da nossa compreensão identitária como uma nação miscigenada, além de abrir espaço para as desigualdades. Contrário a isso, a preservação de arquivos e documentos históricos são registros os quais podem ser revisitados e servem como base da construção da memória e da identidade de um povo.

Como forma de conscientização dentre os pontos cernes sobre tal prática de representação e significação de mundo e das condições de trabalho desumanas geradas pelo apagamento, estão a valorização das contribuições culturais e genéticas do povo negro para a identidade nacional do país, multiplicação do conhecimento de experiências historicamente silenciadas e alteração das perspectivas de percepção da cidade, a partir da relação entre patrimônio, cidade e etnia.

O impacto do racismo estrutural e da marginalização histórica na falta de valorização dos locais históricos afro-brasileiros levanta questionamentos sobre como esses fatores contribuem para o abandono e a negligência desses espaços importantes para a cultura brasileira.

Ainda na questão da marginalização das manifestações culturais negras, a estudante de jornalismo, Luiza Nascimento, de 22 anos, afirma que, apesar dos avanços nas últimas décadas ainda é possível perceber um apagamento na falta de reconhecimento e valorização de espaços históricos e culturais afro-brasileiros e na sub-representação em posições de destaque na sociedade e na mídia.

Ela pontua a importância de  oferecer modelos positivos e inspirações para a juventude negra. Além disso, explica que a representatividade corrige a narrativa histórica ao destacar as contribuições dos negros na formação do país, promovendo um maior orgulho e reconhecimento da herança afro-brasileira. “A falta de reconhecimento de figuras históricas negras é algo negativo para a identidade cultural das comunidades afrodescendentes ao invisibilizar suas contribuições e histórias. Isso pode levar a um sentimento de desvalorização e inferioridade, dificultando a construção de uma identidade cultural positiva e forte entre os afrodescendentes”, comenta a estudante.


QUEM SÃO SUAS TIAS, SUA FAMÍLIA, SEU LEGADO?

Quando se fala em reconhecer a importância de figuras históricas pretas que contribuíram ativamente e positivamente para a história do Rio, as “Tias”, mães de santo baianas, não podem ficar de fora. Mestres em curar doenças do corpo e da alma com a ajuda de seus orixás, elas não só oferecem o conforto da cura, mas também interpretam um papel importante como lideranças e frequentemente se envolvem com causas sociais. Trabalham diretamente na preservação e valorização da herança cultural, atuando não só figuras religiosas mas também símbolos de resistência.

Uma das mais famosas atualmente é Hilária Batista de Almeida, ou como é conhecida, Tia Ciata. A quituteira e mãe de santo é uma das personalidades mais relevantes da cultura negra e do cenário do samba carioca, mas não recebe um reconhecimento proporcional à sua grandeza e como diversas personalidades, frequentemente é deixada de lado. Nascida na Bahia, Tia Ciata ainda em sua terra natal, já estava por dentro de movimentos sociais como a fundação da Irmandade da Boa Morte no município de Cachoeira no Recôncavo Baiano. 

Obrigada a fugir da cidade por conta da intolerância religiosa, aos 22 anos chegou ao Rio de Janeiro, e já começou sua luta sendo uma das primeiras quituteiras a sair para vender sua comida com as vestes do candomblé, vestindo, literalmente, sua cultura, o que mais tarde serviria como exemplo e símbolo de resistência.

Na cidade maravilhosa, ela casou com João Baptista da Silva, com quem futuramente teria 14 filhos. Além do talento na cozinha, Hilária também era muito boa com as ervas medicinais e a cura física e espiritual. Um dos casos mais famosos de Tia Ciata aconteceu quando o presidente Venceslau Brás a chamou para tratar de uma ferida em sua perna. 

O presidente já havia procurado todos os tipos de intervenção médica mas nada conseguia curar sua perna enferma. A história conta que Hilária pediu conselho aos seus orixás e conseguiu solucionar o problema. Agradecido, Venceslau queria retribuir de alguma forma, e o meio encontrado foi garantir um emprego digno nos padrões da época para o marido de Tia Ciata e garantir paz ao candomblé e aos seus festejos, pelo menos aos arredores de sua casa. 

Com a proteção, ela foi capaz de abrigar músicos e religiosos que fugiam da opressão policial e fazer com que um novo tipo de batuque nascesse na Praça Onze, tornando impossível negar sua influência e relevância para o nascimento do samba.

“Eu vejo que a força da Tia Ciata está representada em vários locais. Não é só no samba, mas em outros lugares. A gente pode dizer que ela atuou também como assistente social. Independente das festas, onde tinha muita comida, ela oferecia comida para as pessoas que batiam à sua porta”, explica Gracy Mary Moreira em entrevista à Agência Brasil. 

Sua influência era tanta que, o cantor e compositor Heitor dos Prazeres, apelidou sua casa de África em miniatura, e posteriormente de Pequena África. Mas Tia Ciata não foi a única que teve grande influência no nascimento do samba como conhecemos hoje. Além dela, Tia Carmem do Xibuca, Tia Lúcia, Tia Sadata, Tia Bebiana, Tia Veridiana, Tia Amélia do Aragão, Tia Perciliana de Iansã e Tia Raymunda e muitas outras com histórias semelhantes de mulheres que nas rodas de samba e no rancho carnavalesco fizeram sua resistência.


RANCHOS CARNAVALESCOS

A história de onde tudo começou

O professor de jiu-jítsu Anderson Carvalho percebe objetos culturais, como por exemplo a música como um meio de sobrepor as amarguras e encontrar forças. “Imagina, como que você vai sobreviver à escravidão? Por que que o preto, antigamente, ele sempre cantava? Ele cantava para poder, mesmo na miséria, mesmo no problema, viver a felicidade dele. Senão, ele só tem coisa triste. Entendeu?”, explica ele.

Outro importante ponto da cultura preta são os ranchos carnavalescos. Para entender o surgimento e funcionamento das escolas de samba, primeiro é necessário conhecer os ranchos carnavalescos. O pesquisador Luiz Antônio Simas, em seu livro “Samba de enredo: história e arte” explica que a origem dos ranchos se deu, provavelmente no Nordeste, e foi trazido para o Rio de Janeiro pelas comunidades nordestinas, especialmente as baianas que moravam entorno do Morro da Conceição, localizado no bairro da Saúde. 

Os ranchos inicialmente aconteciam no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, mas por influência do compositor Hilário Jovino a data foi alterada para que a comemoração casasse com os dias de carnaval. A influência do músico foi tanta que o seu rancho pioneiro “Rei de Ouro” se apresentou para o presidente da época Floriano Peixoto, no Itamaraty.

O Samba como Patrimônio Cultural

Com influências dos ranchos, o surgimento do samba no Rio revelou diversas personalidades que mudariam por completo a cultura musical e preta. A estudante de jornalismo de 22 anos, Luiza Nascimento, explica que as manifestações culturais afro-brasileiras contribuem significativamente para a formação e validação do Rio de Janeiro como cidade multicultural. “Acredito que são essenciais para a identidade do Rio de Janeiro, enriquecendo o patrimônio cultural com tradições como o samba, o candomblé, a capoeira e outras expressões artísticas e religiosas. Elas promovem a diversidade cultural e atraem turistas do mundo todo, fortalecendo a imagem do Rio como uma cidade vibrante e diversa”, comenta. 

Entre os diversos personagens que marcam essa história, o integrante da vanguarda do samba, João da Baiana, se destaca sendo responsável pelo reconhecimento que o ritmo ganhou no país. Mas apesar disso, mesmo com todo o destaque como precursor do samba, sua influência não foi o suficiente para evitar o preconceito e a perseguição. João teve seu pandeiro apreendido e chegou até a ser preso por fazer samba.

Outra personalidade extremamente relevante para a cultura e história negra foi Donga. Tendo se revelado um talento nato para a música ainda cedo, o músico e compositor foi criado no vibrante ambiente da Pequena África, onde sua mãe e Tia Ciata eram líderes influentes. Começou a tocar cavaquinho aos 14 anos e logo dominou o violão. Em parceria com Mauro de Almeida, compôs "Pelo Telefone", o primeiro samba gravado no Brasil, em 1916. Ao longo de sua carreira, participou dos Oito Batutas e fundou a orquestra Pixinguinha-Donga, destacando-se não apenas como músico, mas também como preservador do legado cultural, ao co-fundar o conjunto Velha Guarda em 1954 com Pixinguinha e Almirante.

Para completar a popularmente conhecida santa trindade do samba, Pixinguinha é celebrado como uma das figuras mais importantes do choro e da música popular brasileira. Desde cedo mostrou talento musical, aprendendo flauta com seu pai e tornando-se versado em diversos instrumentos. Em 1916, gravou pela primeira vez com o grupo "Choro Carioca", e sua carreira prosperou com composições icônicas como "Carinhoso" e colaborações com Benedito Lacerda na década de 1940. Nos anos 60, criou trilhas sonoras e colaborou com Vinícius de Moraes. 

As Reformas

No início do século XX, o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, passava por sérios problemas de infraestrutura, saúde pública e urbanização. Realizadas durante os governos de Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, as reformas higienistas tiveram grande impacto sobre a modernização da cidade, a fim de torná-la mais semelhante às grandes metrópoles europeias.

Suas reformas incluíram também demolições de cortiços e moradias precárias no centro da cidade, abrindo espaço para a construção de largas avenidas, como a Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, inspiradas nas reformas realizadas pelo Barão Haussmann em Paris. Pereira Passos também buscou melhorar as condições sanitárias da cidade e introduzir uma nova estética arquitetônica.

Apesar de terem modernizado a cidade e melhorado as condições sanitárias, essas reformas resultaram na remoção e deslocamento forçado de populações pobres, agravando as desigualdades sociais e culturais.

Isso forçou muitas famílias pobres, majoritariamente afro-brasileiras, a se deslocarem para regiões periféricas e menos valorizadas, como a Gamboa. A região, localizada na Zona Portuária do Rio de Janeiro, tornou-se um refúgio para essas populações desalojadas. Com isso, a área passou a ser vista como marginalizada, refletindo o abandono histórico e a falta de investimentos públicos em infraestrutura e serviços básicos. A negligência do poder público perpetuou condições de vida precárias na região, agravando problemas sociais e de saúde.

A Era Vargas também foi marcada por um processo intenso de industrialização e urbanização. Durante o Estado Novo, Vargas iniciou projetos de habitação popular, tentando atenuar o problema de moradia nas grandes cidades.

As reformas higienistas e o consequente deslocamento forçado das populações afro-brasileiras tiveram um impacto profundo na cultura afro-brasileira. Principalmente quando há a destruição da Praça Onze, berço do samba e lar de diversas personalidades que marcaram a história preta, para a construção da Av. Presidente Vargas, em 1944. Por isso, a Gamboa, assim como outras áreas da Zona Portuária, se tornou um importante centro de resistência cultural e preservação das tradições afro-brasileiras. A região é famosa pela Pequena África, um território culturalmente rico onde tradições africanas foram preservadas e adaptadas.

A cultura afro-brasileira na Gamboa floresceu em meio ao abandono, com a comunidade local mantendo vivas tradições como o samba, o candomblé e a capoeira. Esse patrimônio cultural tornou-se um elemento importante da identidade do Rio de Janeiro, apesar da falta de reconhecimento e apoio oficial por muitos anos.

Seria esse o fim ou começo?

Toda história tem um começo, meio e fim. No entanto, nesse caso, as delimitações entre esses períodos de tempo não são muito claras até hoje. Um começo conturbado e sem muitos registros, sendo baseado em “estima-se” e incertezas, como por exemplo, estima-se que cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças chegaram ao Brasil como escravizados entre os séculos XVI e meados de XIX, de acordo com o IBGE; um meio ainda mais turvo, com muitos apagamentos e descobertas recentes, como por exemplo o Cais do Valongo, que, de acordo com o historiador e guia Jair Silva, é o único vestígio material da entrada de africanos escravizados na América e só foi descoberto em 2011; e um final que não existe. Como encerrar um capítulo que não se tem certeza do início e não se sabe ao certo do meio? E mais do que isso, não pode nunca ser esquecido ou repetido. 

Confira a reportagem clicando na imagem abaixo:

Edição de vídeo: Luiz Guilherme Reis;

Reportagem: Malu Danezi , Luiz Guilherme e Gabriella Lourenço;

Fotos: Gabriella Lourenço, Malu Danezi e Luiz Guilherme Reis;

Produção: Gabriella Lourenço e Malu Danezi.

Grande reportagem multimídia realizada para a disciplina de redação integrada ministrada pela professora Daniela Oliveira, 2024.1.